MOZART TANAJURA

JOSÉ MOZART TANAJURA



Nasceu em Livramento de Nossa Senhora em 14 de setembro de 1936, foi professor, escritor e memorialista. Era filho de Domingos Espírito Santos Tanajura e de Maria Dolores Gomes Tanajura. Veio para Vitória da Conquista ainda jovem. Faleceu em São Paulo em 24 de maio de 2004.

Deixa um dos mais belos poemas que representa o seu amor por Vitória da Conquista:

NOTURNO DE VITÓRIA DA CONQUISTA
Por Mozart Tanajura*

Vai-se avermelhando o poente
E ainda bem a noite não desce,
o nevoeiro cobre a serrania
E na distância pontos indecisos
            vão sumindo.  
Agora, noite
Miríades de lâmpadas acendem
em meio à garoa que cai intermitente.
Vento fino feito navalha,
dilapida as carnes e os edifícios.
Luzes e raios que piscam na falda
            do Piripiri.
Serão estrelas?
— São faróis na BR-116, Rio-Bahia.
Companheiro em trânsito,
que vais descendo serra, vindo da Bahia,
ou subindo, vindo de Minas Gerais,
vem ver a nossa cidade.
Mas silêncio, ela vai nascer,
ouve a sua história.
                
Manhã de 9 de novembro de 1840.
Do sertão de Caetité está chegando
Joaquim Venâncio de Almeida.
Ele vem, da parte do rei,
instalar a Imperial Vila da Vitória.
João Dias de Miranda,
último filho vivo do Coronel João
                Gonçalves da Costa,
conta as sagas da Conquista e fundação
                do arraial:
— Meu pai, junto a mim, no combate decisivo,
quando os índios, rebelados, ameaçavam-nos
vencer, fez uma promessa à Virgem: — se
a vitória for nossa, ó Nossa Senhora da Vitória,
mando fazer uma igreja onde a vossa imagem
será louvada para sempre!

E naquele instante angustioso, como por
milagre, os índios foram cedendo, cedendo,
e a vitória ficou de nosso lado.

A capela e o povoado foram construídos.  
Agora, silêncio completo.
Luiz Fernandes de Oliveira
está assinando o Auto de Posse
como primeiro presidente da Câmara.

Agora, a Vila está crescendo.
Já tem barracão, casas de telhas e quitandas.
Os senhores vereadores passeiam
pelo terreiro da Imperial Vila da Vitória
Passam-se os anos como num romance.
A cidade progride.
Multiplicam-se as casas e as ruas
que surgem batizadas pelo povo:
Rua Grande, Boiada, Espinheiro,
Moranga, Magassapo, Vargem, Sete Casas,
Juazeiro, Misericórdia...
Aparecem as avenidas e os bairros
crescem desordenadamente.
De toda parte vem gente para ficar.
Gente, filho do Norte,
gente, filho do Sul
os nossos irmãos do Nordeste:
alagoanos, sergipanos, paraibanos,
pernambucanos...
retirantes que fogem à seca
E os sertanejos da caatinga esturricada:
toda esta gente morena e máscula
             que tem o Brasil!
E vem também do estrangeiro,
que o estrangeiro é boa praça:
americanos, japoneses, italianos, síriosgregos, libaneses...  
É Conquista que surge.
Enamorado de suas belezas e da sua história,
canta o seu filho querido,
poeta e cronista da cidade,
Bruno Bacelar de Oliveira:
 “Grande, boa e hospitaleira,
Conquista hospeda quem queira
No seu solo trabalhar.
A todos tem como filho
E trata com afeto e brilho
Ao que deseja lidar.
É fria, quando na serra,
cai a neve e cobre a terra,
Algente véu de algodão,
Assim de noiva vestida,
A cidade preferida,
Fala mais ao coração.
Três sangues deram-lhe a sina:
Africano o de Faustina,
A neta de Mongoiós;
De João Gonçalves, fremente,
O português latente
E caboclo o de seus avós”.
Conquista agita, estremece, avança,
nada a detém nesta dança
do seu dinâmico destino.
Nomes e numes, hoje,
cantam a sua vitória:
Terminal rodoviário, estádios de futebol,
hospitais, rádios que levam longe o seu
                       progresso;
Rádio Clube de Conquista, líder e pioneira,
Rádio Regional, a dinâmica do ar, FM e
Bandeirantes, praças arborizadas, canais
de televisão, feiras cobertas, centro de
Abastecimento, Mercado de Artesanato
onde se vende de tudo: cestas, gamelas, toalhas
bordadas, bijuterias, bonecas de pano,
panelas de barro, peneiras de taquara, caçuás...
tudo feito pela mão de nossa gente,
jornais, Centro Industrial, polo cafeeiro,
colégios, universidades, edifícios residenciais,
centro de comércio e lazer,
energia elétrica, água tratada, conjuntos
de habitação popular, Casa da Cultura, museus,
bibliotecas, arquivos, ateliês de artes plásticas,
transportes urbanos e rural.  
E suas belezas naturais quem saberá decrevê-las?
A Serra do Piripiri, a Lagoa das Flores,
a Serra da Tromba, visão edênica do poeta
Maneca Grosso, o mirante da Serra do Espinhaço,
o Poço Escuro com suas árvores nativas e
águas cristalinas, a Cachoeira do Marçal,
os pores-de-sol suaves, cor-de-rosa.
Lilases, roxos, sangrentos...  
E o que a não do homem criou
no desejo do eternizar-se?
As estátuas de Cajaiba, o Cristo de Mário Cravo,
a arquitetura da lª Igreja Batista, o Solar dos
Fonsecas, a pintura de Egberto Aragão e Romeu Ferreira,
os poemas de Camilo de Jesus Lima e Jesus Gomes
dos Santos, a filosofia de Yolando Fonseca e a filologia
de José de Sá Nunes.
As fazendas de nomes expressivos:
Quatis, São Bernardo, Graciosa, Batalha,
Borda da Mata, Recruta
com seus rebanhos bovinos: nelore, holandês,
gir, hereford, guzerá...
Êh, boi!
Boi que um dia Martin Afonso de Sousa
trouxe para a sua capitania
e se espalhou por esse Brasil gigante.  
Companheiro em trânsito,
vem ver a nossa cidade
em seu noturno envolvida.
Vem, vem comigo.  
Uma noite...
Caminhemos juntos.
Silêncio, não ouves?
São as rosas desabrochando
nos jardins das residências.
Todas as noites eu ouço elas desabrocharem
metade cheia de pétalas,
metade cheia de cal,
grandes rosas noturnas
que crescem e se avolumam
pela grande noite da conquista.  
As vozes das tribos mortas
estão ecoando nas quebradas.  
— Adeus, cabanas de índios.
— Adeus, filhas das florestas
que tecem flores mais lindas
que as orquídeas da campina.
— Adeus, chefe Capivara
Suas terras serão tomadas
pelas armas assassinas.

— Não peguem nestas roupas envenenadas.
— Não comam destas comidas traiçoeiras.
— Fechem as portas de suas cabanas
— Escondam bem os seus arcos,
olhem que vão cortar suas cordas.  
O coro das senzalas,
envolto nas vozes dos grilos,
vão se ensurdecendo nas últimas esquinas.
— Foge, Leocádia, foge Elói, foge Joaquim,
escravos do Coronel Felisberto Pereira de Oliveira.
— Fogem negros mocambados.
Lá vem Capitão-do-mato
trazendo correntes, gargantilhas, açoites
e uma tropa de 400 cartuchos
para exterminá-los de vez.

Maurícia, linda mucama,
matriculada na Intendência,
está comprando a liberdade
por 400 mil réis.
Sorte igual no teve a pobre Inês...
Deu tudo que tinha:
suor, amor, economia.
Empenhou joias, ouro, prata,
mudou de dono e senhor
e não teve a sua alforria.  
Companheiro em trânsito,
que nesse silêncio da noite,
meus passos seguem em visita 
veja quem vem de longe
nesta romaria esquisita:
São cavaleiros embuçados
que vão deslizando como sombras
pela grande noite da terra.
São jagunços apressados
que disparam pela Rua Grande
onde Meletes e Peduros
digladiam sem cessar.
Tibúrcio foi baleado,
Teotônio morreu,
Neca Andrade não se sabe
para onde foi
Maneca Moreira correu
e o juiz subiu a serra
montado num boi.  
Êta Conquista de morte!  
Mal cessa a guerra dos Meletes,
Olimpinho, numa coorte,
vem dar o troco do fogo
acontecido em Verruga.
Conquista, desprotegida,
não sabe como fazer.
— Reúnam-se os homens de bem,
— Toquem os sinos em debandada,
Olimpinho é de tremer.
Dino salta na frente,
a jagunçada acompanha,
põe o valente a correr.  
Vão-se os jagunços,
ficam os letrados com seus jornais.
Escrevem, discutem, brigam, iluminam
porém as chamas se levantam
no ar em espirrais.
Há gritos, vaias, falação.
— Queimaram O Avante,
o órgão da revolução.
Fala toda a imprensa
do atentado sem perdão
deste do Avante
e de outros que virão.

O coro dos mortos se confunde
com os ventos da madrugada:
— Nesta terra da Conquista
mata-se por dez-reis-coados
e por-dê-cá – aquela-palha
Mata-se no claro dia,
no escuro das valas
ou na noite enluarada.
Mata-se por empreitada,
por tal preço combinado,
a domicílio ou no mato,
a prestação ou fiado.  
Mas a voz do poeta,
que vem da celeste altura,
abafa os rumores da noite:
—“Conquista, tesouro imenso,
o mais belo da Bahia.
Tem mais brilho aqui o sol,
tem mais amores em teus lares
que luzes no arrebol”...  
Companheiro em trânsito,
Adeus! Podes seguir teu caminho.
As rosas desabrocharam no silêncio da noite.
O nascente tinge-se de ouro
e a névoa deixa a serrania.  
Agora, dia.
Conquista se veste de esperança
para a festa da manhã.
Já se ouve carros que roncam no asfalto,
ferros que malham nas oficinas,
portas que rangem e abrem,
caminhões que descarregam,
ônibus que partem,
camelôs que apregoam,
carregadores que suam,
boias-frias que vão para os cafezais,
carroceiros que gritam apressados,
estudantes que vão às aulas,
gente que busca o trabalho:
homens, mulheres, crianças.  
Do burburinho da rua,
tecida no afã de cada dia,
com ferro suor e argamassa,
está surgindo a Grande Conquista.

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