MANECA GROSSO


Antepassados de Maneca Grosso





BA TV E O CENTENÁRIO DA MORTE DE MANECA GROSSO 


100 Anos do Falecimento de Maneca Grosso
Rui Medeiros





              Há cem anos, na Fazenda Baixa do Arroz, no município de Vitória da Conquista, faleceu Manuel Fernandes de Oliveira, mais conhecido como Maneca Grosso (08 de maio de 1869 – 11 de fevereiro de 1919).

              Manuel Fernandes de Oliveira, filho de Manuel Fernandes de Oliveira e de Umbelina Maria de Oliveira, nasceu em 08 de maio de 1869, na Imperial Vila da Vitória, nome que então tinha o Município de Vitória da Conquista. Após o falecimento de seu pai, ocorrido em 18 de fevereiro de 1876, sua mãe contraiu núpcias com Ernesto Dantas Barbosa, pessoa com quem o enteado teve excelente relação.

              Maneca Grosso tinha uma escola em sua fazenda (Baixa do Arroz), onde lecionava. Não teve educação formal, escrevia artigos para jornais (A Palavra, de Conquista, e Diário de Notícias, de Salvador, em seção “a pedidos”), professor, poeta, jornalista e político. A política o envolvia e sua morte tem relação com essa.

              Em Vitória da Conquista formam-se dois grupos políticos: Meletes (oposição) e Peduros (situação). Embora dessas facções participassem pessoas das mesmas famílias e ambas seguissem o Governador J J Seabra, após a morte do coronel Gugé foi impossível controlar o acirramento das divergências. Os grupos possuíam seus veículos de comunicação: O “Conquistense” era porta-voz dos Meletes e a “Palavra” representava a orientação dos Peduros. Em artigos e versos satíricos publicados nos jornais, Maneca Grosso atacava fortemente os Meletes, especialmente o Coronel Pompílio Nunes, o juiz de Direito da Comarca (Antonio José de Araújo) e o Promotor de Justiça (Virgílio de Paula Tourinho).

              A mudança da Constituição Estadual no sentido de tornar o cargo de Intendente (então era título do chefe do Executivo Municipal) de eletivo para de nomeação pelo Governador obstaculizava, no entender dos Meletes, sua ocupação do Governo municipal, pois aquela alteração alimentava o continuísmo. Embora se declarassem seabristas, os meletes gradativamente afastavam-se se Seabra por perceberem que este não os prestigiava.
          
              Em 05 de janeiro de 1919, Maneca Grosso saiu da cidade para a Baixa do Arroz em companhia de Cirilo, seu amigo. Ambos foram emboscados em Simão, localidade entre Campinhos e Baixa do Arroz. Pistoleiros a serviço dos meletes assassinaram Cirilo e espancaram fortemente Maneca Grosso. Este, tomado de grande dor moral e em consequência dos ferimentos veio a falecer em 11 de fevereiro de 1919.

              A distribuição de panfletos ofensivos entre as facções, as discussões acaloradas, a morte de Cirilo e o espancamento de Maneca Grosso findaram por instalar a luta armada entre Meletes e Peduros que completou um século no último janeiro.

              Maneca Grosso deixou poesia publicada em jornais e inéditas, inclusive um livro. Camilo de Jesus Lima pretendia escrever sua biografia. Não o fez, mas dedicou-lhe elogioso artigo, publicado na edição de 28 de janeiro de 1961 de “O Jornal de Conquista”. Nesse artigo Camilo lançou a ideia de construir um obelisco em homenagem ao poeta Manoel Fernandes de Oliveira no Cimo do Morro da Tromba. Chegou mesmo formar-se comissão composta por várias personalidades conquistenses para viabilizar a construção de mencionado obelisco que, um século decorrido da morte do bravo Maneca Grosso, não foi edificado.

              Os Conquistenses prezam sua história e sobre tudo dois poemas do poeta: Canto do Cisne e do Cimo do Morro da Tromba, os mais conhecidos e lembrados.

               A poesia de Maneca Grosso foi bastante influenciada pelos poemas de Castro Alves. É o que se percebe em poesias esparsamente publicado em jornal local e em seu livro inédito.





OUTDOOR EM LEMBRANÇA DO CENTENÁRIO DA MORTE DE MANECA GROSSO.

















MANOEL FERNANDES DE OLIVEIRA – MANECA GROSSO
* 08/05/1869  + 11/02/1919

Manuel Fernandes de Oliveira, conhecido como Maneca Grosso. Apelido que teve origem, como ouvi, repetidamente, de meu pai e neto de Maneca Grosso, Estevam Santos, se originou na época de escola, pois havia três Manecas na sala de aulas. O professor, possivelmente Ernesto Dantas, para evitar confusão no momento de fazer chamadas, perguntas ou tomar a lição, por exemplo, passou a chamar um dos "Manecas" de "Maneca Primo", por ser primo dos outros. Outro, por ser magro, ficou "Manequinha" e o terceiro, por ter um porte físico mais forte, passou a chamá-lo de "Maneca Grosso".

Na Revista Histórica de Conquista, Aníbal Viana assim o descreve: "Nasceu neste Município no dia 08 de maio de 1869. Era filho de Manuel Fernandes de Oliveira e de D. Umbelina Maria de Oliveira.
Foi um dos mais ilustres filhos de Conquista. De grande inteligência conseguiu adquirir sólida cultura. Autodidata, tendo por professor seu padrasto, o professor Ernesto Dantas Barbosa. Foi professor de uma geração de jovens da época. Foi jornalista vibrante, colaborador do semanário 'A Palavra'. Primoroso poeta natural e com muito amor e ardor cantou através de maravilhosos poemas a nossa terra admirável que encanta a todos escrevendo o poema 'Do Cimo do Morro da Tromba'.

Com a morte de seu tio o Cel. José Fernandes de Oliveira Gugé, em agosto de 1918, a oposição, liderada pelo Cel. Manoel Emiliano Moreira de Andrade, (parente do Cel. Gugé), também, recrudesceu, tornando a situação política assustadoramente mais complicada e como se dizia que o mentor da oposição era o Juiz de Direito da Comarca, Dr. Antonio José de Araújo, Maneca Grosso, que anteriormente, defendia, pela imprensa, a política do Cel. Gugé, publicou no jornal 'A Palavra' uma série de artigos e na edição de 25 de dezembro de 1918, do citado jornal, publicou um artigo por si assinado, sob o título 'Situação de Conquista', através do qual, verberava a conduta dos oposicionistas e principalmente do Juiz. Este artigo foi uma espécie de bomba atirada no meio dos oposicionistas, apelidados de 'Meletes', que planejaram vingar do autor do artigo."

Homenagem à Memória de Um Digno

De um artigo de fundo publicado no jornal “A Palavra”, edição de 09 de maio de 1919, sob o título acima, traçando o panegírico do ilustre conquistense ora focalizado, lê-se este trecho: “Como aqueles que – velas enfunadas ao salso vento do mar – se fazem ao largo em demanda das regiões onde germina, no abismo quase insondável do elemento undoso, o mundo infinito e variado dos lamelibrânquios bivalves, condutores da pérola e do nácar, nos arrojados escafandristas do tempestuoso oceano da vida – lançamo-nos hoje à pesca do tesouro por Deus engastado nas compleições másculas, em que o coração representa de pérola fibrosa, banhada por esse líquido nacariano que flui, em catadupas, da artéria para a veia e da veia para a artéria, e trazemos, de retorno, esse conjunto material que se integrava, até 11 de fevereiro deste ano, no todo desse incorruptível sertanejo que recebeu na pia batismal o nome de 'Manuel Fernandes de Oliveira' ”.
“Poeta sentimentalista, cantando em estrofes admiráveis as belezas de sua terra natal, a vida lhe correra sossegada e calma até a idade dos quarenta e sete anos, quando teve de enfrentar, ele só, uma luta, valendo-lhe este gesto de civismo a perca de sua vida”.
“Jornalista de peso, manejando com admirável mestria a sua pena afeita aos prélios que dignificam o seu talento másculo fulgurou nas colunas de “A Palavra”, que se curva reverente à sua memória, desfolhando sobre a sua campa as flores da saudade: os lírios e os cravos roxos”.
O escritor e crítico literário. O consagrado vate Camillo de Jesus Lima, de saudosa memória em artigo publicado em “O Jornal de Conquista”, edição de 28 de janeiro de 1961, sob o título “Maneca” assim se expressou sobre a personalidade de Maneca Grosso: “Iremos, sim, ao cimo da Serra da Tromba. Lá, ergueremos um obelisco. Nele afixaremos uma placa. Na placa, estará gravado um dos mais belos poemas da literatura brasileira, escrito nos idos de 1919, por Manuel Fernandes de Oliveira (Maneca Grosso), conquistense de velha têmpera, homem de lutas e de ideias – complexo singular de talento nativo e amalgamado à têmpera de bronze de uma lealdade sem peias e de uma coragem sem limites”.
“Largado nas lonjuras do sertão isolado e desconhecido de sua época, Maneca Grosso foi, a meu ver, o representante máximo de uma família intelectual que vicejou, como planta nativa, na gleba adusta do sertão, naquele tempo em que o sertão não conhecia o mar, para lembrar a expressão retórica do mestre Ruy. Como Aloysio de Resende, em Feira de Santana e Ormindo Montrose em Ituaçu, Maneca Grosso conseguiu o que muita gente não consegue, dispondo de todos os recursos que os novos tempos permitem: deixar o nome imortalizado por uma obra intelectual digna, por todos os títulos, de ser recordada e revelada às gerações que surgem, como um exemplo de força de vontade e idealismo”.
“Voto uma admiração sem limites ao velho poeta conquistense de “Adeus, Conquista” e desse poema que poderia ter sido escrito por Nosso Senhor Castro Alves, intitulado “Do Cimo do Morro da Tromba”. Quando fundamos a Ala das Letras de Conquista, escolhi seu nome para que fosse um dos nossos patronos. Em algumas páginas de romance que estou realizando, todo ele passado na terra de minha esposa e de meus filhos, o velho chefe sertanejo – misto de fazendeiro e poeta, de caudilho e homem de letras, de leão, nos momentos de luta e de sabiá cabocla nas horas de descanso e introspecção – aparece e vive como figura de lenda. Ainda sobre ele, estou a terminar um estudo literário, para colocá-lo como figura de relevo da poesia hugoana e condoreira de seu tempo, do jornalismo político, da sátira ferina e contundente – qualidade que lhe eram inatas e que lhe dariam lugar de destaque na literatura nacional, se o esquecimento injusto sobre ele não houvesse pesado até os dias que correm.
Aplaudo, sem reservas, a ideia de que seja perpetuada a memória de Maneca Grosso – o homem e o poeta. A essa empreitada emprestarei a colaboração que esteja ao meu alcance, consciente de estar contribuindo para o bom nome de conquista e de estar cumprindo o dever de homem de letras.
Que Conquista nos ajude. Que todos nos ajudem. Que os poderes públicos nos compreendam. Iremos, sim, ao cimo do Morro da Tromba. Lá ergueremos o obelisco. Nele afixaremos uma placa. Na placa, estará gravado um dos mais belos poemas da literatura brasileira, escrito por Manuel Fernandes de oliveira – o legendário Maneca Grosso -, patrono da Ala das Letras de Conquista e poeta dos maiores – senão o maior – de todos os que nasceram sob o signo das vitórias e o céu estrelado de Conquista”.
Em março de 1961, liderado pelo escritor Camilo de Jesus lima houve um movimento para que no cimo do Morro da Tromba fosse ereto um obelisco em homenagem a Maneca Grosso sendo organizada uma comissão composta dos senhores: Erathósthenes Menezes, Aníbal Viana, Dante Menezes, Jesus Gomes dos Santos, Bruno Bacelar, Pedro Lopes Ferraz dos Santos, e outros, não tendo, entretanto, sido avante a ideia.
Oferecido ao Sr. João Pereira da Silva, outro vulto de nossa história, falecido em São Paulo, Maneca Grosso compôs e publicou no jornal “A Palavra”, edição de 25 de janeiro de 1918, o belo poema, que transcrevemos nesta Revista".




Maneca Grosso entre seus alunos na escola da Fazenda "Baixa do Arroz".

                                          
         Conquista vista do alto do Morro da Tromba


Morro da Tromba visto de Conquista



DO CIMO DO MORRO DA TROMBA


Não há no mundo, na terra,
Igual a esta, outra vista!
Na falda d’aquela serra...
Está engastada a – Conquista.
- No solo em que há sec’lo e meio,
Divagavam em recreio,
O Índio, a onça e o tapir, -
Onde ora a Letra e a Ventura
Vão galopando em procura
Do sorridente – Porvir!

Vai além... dorso imponente
Pra a vista humana – infinito!
Será o dorso da Serpente
De sete bocas do mito,
Que foragida e cansada,
Pelos deuses acossada,
Veio descansar ali?...
- Não, é um lombo de terra
Que forma a crista da serra
Chamada Piripiri!

Acolá é o sul do Estado
Maravilhosas paragens,
Enorme bosque encantado
Onde repousam selvagens
Em toscas, feias cabanas
(Criaturas desumanas
Sem sentimento de amor!)
Onde o índio não estua
E come sangrenta, crua,
A carne do viajor!

Na região do poente
O panorama é mais lindo.
É desmedido, é ingente,
Formoso soberbo, infindo!
A terra é – esteira infinita,
Sinuosa, e tão bonita,
Que deslumbra o meu olhar!
O horizonte é uma lista,
Que iludindo a minha vista,
Parece ao mundo beijar!

A vista é bela, é opima
E mil encantos encerra!
O olhar se perde por cima,
Da redondeza da terra!
Passa a brisa, e com lhaneza
Pergunta: - D’esta beleza
Qual foi o grande pintor?...
E da coroa do monte
O cantor erguendo a fronte
Responde, foi o Senhor!

Fitando o lado do norte
Vejo a meus pés um abismo!
Como se Deus desse um corte
No monte com um cataclismo!
É um paredão assombroso
Que medonho e majestoso,
Me faz o corpo tremer!
São pedregulhos enormes,
Precipícios desconformes
Que vão além se perder!

Vejo ali uma bacia
Rodeadas de colinas,
Que cheia d’água servia
Para o banho das Ondinas!
Foi além, naquele fundo,
Naquele abismo profundo
Que o anjo mau se afundou!
Foi aqui sobre esta crista,
Donde um Estado se avista,
Que Jehovah descansou!

Do norte para o nascente
Tudo o que vejo extasia!
De lado austral ao poente
Tudo é encanto, é poesia!
Meu todo – como que treme,
E a terra – como que freme
Friccionando meus pés!
É uma Musa, ou uma Fada
Me pergunta admirada:
- Que dizes tu e quem és?...

Perguntas tu o que digo,
E quem sou eu e o que faço?...
Eu sou um Pobre Mendigo
Que pede esmola ao Parnaso!
Não ouves?... Toco uma lira
Que fracamente suspira,
Em vez de acordes soltar!
Não sabes? – Sou esmoleiro,
Mas deste mundo altaneiro,
Quis ser poeta e trovar!

A vista é tal d’esta parte
Que não fica bem cantada
Por minha lira sem arte,
Mesquinhamente talhada!
Encantada Natureza,
É tão distinta a beleza
Da vista d’este lugar,
Que a mais eloquente Musa
Versejaria confusa,
Se aqui viesse – cantar!

(Maneca Grosso)


Outro poema do saudoso vate que merece perpetuação na história:


NOTAS REAIS E FATÍDICAS

Da Serra do Piripiri
Da falda verde e viçosa,
Qual insonte colibri
Beijando pet’las de rosa
Destaca-se o doce berço
Fecundo, gentil e terso
Do trovador obscuro,
Cujas notas desprezadas,
Dormentes, estagnadas,
Não voam para o futuro!
Sim! O canto é obscuro,
É como barco sem velas
Que voga sem palinuro
E entra do Eolo nas guelas.
Mas seu berço é ubertoso,
É poeta primoroso,
De levantadas loquelas,
Um dia-dirá Gonçalves,
Altaneiro Castro Alves
E também alguns Varelas!
Um dia, sim, sim espero
D’além do núcleo do Nada,
Surgirá algum Homero
Cuja lira sublimada
Entoará lá dos ares,
Em vez de “Salve Palmares”,
- Salve querida Conquista,
Onde voam diligentes,
Os passarinhos videntes.
A borboleta e o trovista.
Então, como da flora,
Mil ditirambos, baixinhos,
Ouvir-se-ão, de hora em hora,
Da lira dos passarinhos!
Após a lira dos ares
Começará seus cantares
E a flora fica quieta.
A lira sopra baixinho:
- O poeta é passarinho
O passarinho é poeta!
Assim, ó berço, hás de ver,
Ao romper da nova aurora,
Realizado o predizer
Do tíbio vate de agora,
E, se de mim te lembrares,
Não te erga dos teus altares
Para chorar os meus amores!
Talvez que seja ness’hora
O pobre poeta que ora
Um dos teus belos cantores!

 (Maneca Grosso)



MEIO DE VIDA DE SIMÃO


– Papai, eu quero aprender
Uma arte que renda bem,
Porque sempre ouvi dizer
Na terra é grande o que tem...

– Queres tu ser alfaiate?
Aqui está um tesourão...
– Para que nós eu desate?...
Ai, papai, não quero, não!

– Queres tu ser sapateiro?
Dize lá meu maganão...
– Eu, lamber o ano inteiro?
Ai, papai, não quero, não!

– Se queres ser ferreiro
Deves cuidar no carvão...
– Eu, queimar-me no braseiro?
Oh, papai, não quero, não!

– E ourives?... É um tesouro
Que a gente tem sempre à mão...
– Eu, vender latão por ouro?
Eh! papai, não quero, não!

– Se quiseres - taboleta,
Mandes fazer o balcão...
– Para ver-freguês-capeta?
Ui, papai, não quero, não!

 – Se quiseres comprar gado...
É negócio de ricão!
– Escutar, ouvir boiado?...
Ai, papai, não quero, não!

– Então cuides do celeiro
E dos produtos do chão...
– Eu, lidar com o jornaleiro?
Ui, papai, não quero, não!
– Então sejas - intendente,
E cuides na votação...
– P´ra  a inveja me ter no dente?...
Ui, papai, não quero, não!

– Pois ao Governo do Estado,
Peças emprego, Simão.
– Para ficar no fiado?...
Eh! papai, não quero, não!

– Queres tu ser arquiteto?...
Responde... que tal? Então?...
– Para andar de tecto em tecto?
Ai, papai, não quero, não!

– E Juiz de beca ao peito
Com ares de sabichão?...
– Para ser torto em direito?!
Oh, papai, não quero, não!

– E engenheiro?... É coisa lisa
Pôr a agulha em direção.
– Para bater a baliza?...
Ah, papai, não quero, não!

– E esculápio, tu que pensas?...
Podes cobrar dinheirão...
– Para lutar com doenças?
Ai, papai, não quero, não!

– Enfim, se entrares com jeito
No Tesouro da Nação...
– Este sim, papai, aceito!
Pois no Brasil o ladrão
Traz as medalhas no peito
E a República - na mão!

(Maneca Grosso)


Momento de introspecção com relação ao passar do tempo:


SAUDADE DA INFÂNCIA


“Oh que saudades que tenho...”
Adeus, oh doce vida existência!
Adeus vida d’inocência,
Vida que o tempo bebeu!...
Oh tempo! Corcel eterno

De marcha sempre constante;
Não paras um só instante,
Não paras, quem diz sou eu!

Bebestes, tempo tirano,
Aquele sonho ridente
Da criancinha inocente
Que o mundo não conhecia!
Bebeste sem piedade
Um viver tão sem malícia,
Quando a materna carícia
Me dava tanto alegria!

Tragador insaciável,
Meus sonhos belos roubaste
E hoje, cruel, transformaste
Aquela criança pura
Que alegre, saltava e ria,
Em uma fraca entidade...
Restitui-me, tempo, a idade
De inocência e de ventura.

"Não sofro!" - tu dizes - sei!
Tempo, tu és como eu....
AQUELE que o ser nos deu,
Manda, obedeces, é justo!...
Tempo, cantei a infância,
Da vida o primeiro beijo.
Na vida de hoje só vejo
Abisso que a passar custo.

 (Maneca Grosso)




Homenagem de Maneca Grosso ao padrasto Ernesto Dantas


AO MEU QUERIDO PADRASTO

Ainda eu era criança
Quando vi da morte a lança
Sibilante se abaixando
Sobre a cabeça querida...
Vi do pai voar a vida
Mãe chorosa me deixando!

Um manto negro se abriu
E a minha cara cobriu!
Tudo! Tudo!... Escuridão!...
Era constante o plangor,
Pulsava cheio de dor
Da mamãe o coração.

Por ordem de Libitina
A miseranda Umbelina...
Ia ter trato de resto!
Mas da pobre a Oração
Ecoou lá na Mansão...
E lhe bradaram “Ernesto...!"

O manto negro recua,
E do luto a cara nua
Vê além flóreo arrebol...
-Maravilhoso painel!-
E em seguida o Raphael
Que lhe manda Ernesto ou Sol!

Padrasto! Pudesse eu ora
Pagar-te afagos de outrora
Co’as da pobre lyra!
Mas o seu canto é dolente:
Ao cantar-te pobremente,
A fraca musa suspira!...

Suspira um canto bucólico
Que dispensa o hiperbólico
Ao render-te a gratidão!...
Padrasto – todo de amor!
Não és meu progenitor,
Mas tens dele o coração!

(Do livro inédito Bucólicos Filhos da Pobre Lyra de Manuel Fernandes de Oliveira Grosso. As Notas Agrestes).
O poema é dedicado por Maneca Grosso ao seu padrasto, Ernesto Dantas. Seu livro inédito tem a data de 06 de julho de 1903



A Luta Armada Entre “Meletes” e “Peduros”

A situação política de Conquista continuava grave, o povo sobressaltado, poucos soldados e o Delegado de Polícia não dispunha de força suficiente para manter a ordem. O Tenente Júlio costa já havia saído da Cidade.
O jornal “O Conquistense” continuava criticando a política dos “Peduros”. O jornal “A Palavra”, defendendo. Maneca Grosso publicava artigos acusando o Juiz de Direito da responsabilidade da periclitante situação, como grande mentor dos “Meletes”.
O povo continuava na expectativa esperando um choque armado, entre as duas facções a qualquer momento.
No dia 25 de dezembro de 1918 o semanário “A Palavra” publicou causticante artigo assinado por Manoel Fernandes de Oliveira (Maneca Grosso) sob o título “Situação da Conquista” que provocou “fogo no barril de pólvora” como adiante veremos.
Eis o artigo:



“Situação da Conquista

Nesta comarca e dentro da rua matriz desta infeliz povoação, no dia 12 de outubro deste ano o Senhor Tenente Júlio Manoel da Costa, cumprindo ordem do Dr. Chefe de Polícia deste Estado, denodadamente, prendeu o criminoso Manoel de Arruda, e, depois de lhe haver conservado na cadeia até o dia 9 do fluente d’este mesmo período anual, a requerimento do dito Chefe, remeteu para a nossa Capital, bem escoltado, o mencionado criminoso.
Creio que em toda a Polícia baiana não há um oficial mais denodado, mais arguto, mais correto nem mais justiceiro do que o Sr. Tenente Júlio Costa.
Todas as precauções honrosamente estratégicas foram tomadas por S.Sª para que o escoltado fosse sem risco de ser solto pelos seus dignos protetores, e bem assim, para que fosse evitado um choque ou encontro da escolta com a digna polícia do Dr. Antonio José de Araújo; mas a cabeça araquinídea venceu mais uma vez, para ser vencida breve, talvez.
O primeiro grupo de jagunços postado para libertar o preso, chefiado segundo consta pelo Sr. Dr. Promotor Público, nada pode fazer porque fora evitado pelos soldados; mas uma segunda deliberação fora tomada pelo antípoda de Cincinato e o criminoso de Estado (por assim dizer) fora libertado nas margens do Rio de Contas, não se sabendo até hoje com certeza, qual fora o fim de 7 infelizes soldados de nossa Polícia! – É horrível, é incrível mas é verdade! O Sr. Dr. Antonio José de Araújo quer transformar a Conquista em Canudos, mas não conseguirá porque lá nas terras do 1º Antonio Conselheiro, o povo estava sem nenhuma exceção fanatizado, ao passo que aqui há um bom número de homens inimigos das injustiças e contrários do feudalismo!
Os jagunços do Sr. Dr. Antonio José de Araújo, não querendo atacar a força policial para que Manoel de Arruda nada sofresse, postaram-se numa pequena pastagem onde os soldados arrumaram os seus animais, prenderam um dos policiais, que fora pegar cedinho as cavalgaduras; mais dois soldados foram tomar conhecimento da demora do companheiro e caíram na rede; então os jagunços obrigaram os três presos a gritar que os animais estavam muito velhacos e que era preciso que a escolta toda fosse à referida pastagem, e assim, aqueles homens instruídos por um terrível professor, conseguiram o que desejavam!...
Mais outra medida dos homens que querem escravizar o povo conquistense e assassinarem friamente o Sr. Tenente Júlio Costa, para que a Polícia da Bahia fique aterrada, e esta terra a mercê dos seus jagunços; medida condenada por muitos dos homens de bem que tem horror aos nefandos crimes mas que acompanham o Sr. Dr. Araújo julgando que um Juiz de Direito seja um Aquiles, sultão ou Ditador!
Não; os maus reis são aborrecidos e os pobres reis são banidos!
Na batalha de Rocroi, quando o Grande Conde olhou para o cadáver do Conde de Fuentes, comandante da reserva espanhola, penetrado de onze feridas, disse: - “Se eu não tivesse vencido, desejaria ter morrido tão honrosamente como aquele ali está estendido”!
E eu digo – Si nasci para morrer combatendo, desejo morrer ao lado de um oficial correto e probo como é o Tenente Júlio Manoel da Costa!
A mim povo conquistense, povo e soldados baianos!  A mim, contra uma premeditação de assassinato tão injusto e descabido como ainda não houve igual nas plagas brasileiras!
Inimigos da minha grei provai uma única ação má ou iníqua praticada pelo nosso atual Delegado de Polícia! – O assassinato de um velho oficial que nunca foi desfeiteado, sequer, em atenção ao seu bom comportamento, num município habitado por cerca de 80 mil almas, sem um único protesto seria uma monstruosidade desconhecida no mundo inteiro desde sua habitação!
Não há sabedorias perfeitas neste mundo: O Dr. Araújo é incontestavelmente, um indivíduo que tem bons conhecimentos da língua vernácula e de outras; que tem prática de foro de política e de... Mas mandar soltar à força o Manoel de Arruda cometeu um erro grave porque não é possível que o Dr. Governador d’este Estado não se indigne com semelhante iniquidade desonrosa para a Polícia e a Magistratura baiana, e que não seja favorecida na sua justa indignação, como o próprio Presidente da Nação!
O Sr. Dr. Antonio José de Araújo diz não ser segredo, que fará do Sr. Cel. Manoel Emiliano Moreira de Andrade chefe político, por bem ou por mal, fornece armas e manhas aos criminosos, faz de um Promotor Público chefe de pelotão de jagunços, ofende os brios de um governador e de um chefe de Polícia, pisa na Constituição, arvora-se a Ditador e conta certo a vitória!
Alto lá, senhor Antonio Conselheiro numero 2, não tenha ilimitada confiança na sua – Estrela, nem trate de conflagração deste município porque o tiro poderá sair pela culatra!
Não invento cousa nenhuma: As ruas todas estão cheia de que o Dr. Tourinho esteve no primeiro pelotão de jagunços e de que o Sr. Dr. Araújo convidou vários indivíduos para que engrossassem o número... Um dos quais dera parte de convite a uma pessoa fidedigna; e tão vergonhosamente se manifestaram em prol deste grande desrespeito a lei que, ambos forneceram animais e arreios e acertaram o terrível crime na casa própria casa do primeiro deles.
O Sr. Delegado de Polícia atual, desde que a esta terra chegou, ainda não se afastou do seu posto de honra nem do cumprimento do seu dever, razão porque tem sido respeitado pelos homens de bem e pelos próprios roceiros estranhos aos costumes de alta sociedade; e o assassinato honroso de semelhante homem, seria a completa perdição dos meus inimigos, desfecho que de coração não desejo, e que trocaria pela completa derrota política dos meus amigos, se o caso de mim dependesse e se não tivesse esperança dos desordeiros d’aqui ficarem brevemente confundidos.
Diversas pessoas tem avisado ao Sr. Tenente Júlio Costa de que tocaias contra ele é de duas uma: ou querem aterrar o brioso oficial que não tem dado prova de covarde (para a comarca ficar por muito tempo policiada pelo Dr. Tourinho) ou querem, matando aquele militar aterrar o próprio Chefe de Polícia!
Muita gente pensa que um Juiz de Direito não pode ser removido, e é engano porque a Constituição do Estado da Bahia reza no artigo 75 parágrafo 2º - “As comarcas serão classificadas em diferentes entrâncias para o fim de regular-se a nomeação, acesso e vencimentos dos Juízes de Direito, que só poderão ser removidos pelo Governo: por acesso, a pedido, ou por motivo de conveniência pública, caso em que deverá proceder aquiescência do Superior Tribunal de Justiça”.
E então?... Um Juiz de Direito pode ou não ser removido? O Dr. Araújo está ou não no caso de ser removido por conveniência pública? – A ordem está alterada porque os Delegados de Polícia nada podem fazer na jurisdição do antípoda de Cincinato, homem que está claramente tratando de conflagrar este infeliz município!
O Dr. Araújo responde minhas justas acusações cortando o rabo do cão de Alcebíades, como ora ou há poucos dias fez soltando o preso Manoel de Arruda.
Nós nascemos sob o mesmo signo, doutor, com a única diferença de eu ter nascido de 9 meses de gestação e de Sua Excelência ter nascido de 10, porque a época do seu nascimento era em abril de 1869!
Quem viver verá...
Conquista, 19 de dezembro de 1918.
(a) Manoel Fernandes de Oliveira”

Este artigo causou muita ira e reboliço entre os Meletes, que se reuniram no “Bar Ponto Central” e planejaram o empastelamento do jornal “A Palavra”. Os mais exaltados, eram o Promotor Tourinho, Manoel Orrico, José de Oliveira Santos (Cazuza Primo) Beija Gusmão, Minervino Chá, Ulisses Morais, e Manoel de Andrade Santos (Cel. Nena Santos).
Ciente do sinistro plano, Demósthenes Rocha, diretor proprietário do bravo órgão de imprensa, reuniu amigos na sede da redação do jornal, que era no sobradão (foi demolido para no local ser levantado o edifício da agência do Banco do Brasil) e ficou aguardando os acontecimentos e pronto para reagir. O plano não foi consumado porque homens sensatos, prudentes e ordeiros e amigos dos dois lados, intercederam evitando o planejado ato de violência, que seria de graves consequências.
O Natal decorreu sob um clima de muita tensão. A jagunçada estava desenfreada. A anarquia dominava.
No dia primeiro de janeiro de 1919 houve a inauguração da Santa Casa, posse do seu primeiro Provedor, Dr. Crescêncio Antunes da Silveira e entronização da imagem de São Vicente na capela que era entre os dois pavilhões do prédio. Uma procissão, da Igreja com destino a Santa Casa, foi realizada e o povo rezava rogando a Deus para que houvesse paz entre os homens de Conquista.
A situação política pelo poder da força era dos Meletes.
No dia 3 do citado mês, o Intendente Municipal Leôncio Sátyro dos Santos Silva, foi compelido pelos “Meletes” a renunciar ao cargo, o que “fez para evitar luta e derramamento de sangue” como disse, tendo passado o cargo ao Cel. Francisco da Silva Costa, Vice Presidente em exercício, do Conselho Municipal. O Cel. Francisco Costa assumiu o cargo em 3 de janeiro de 1919 ficando no cargo cerca de 30 dias até a nomeação de Ascendino Melo.

No dia 05 de janeiro de 1919 Maneca Grosso viaja desta cidade, acompanhado de um seu compadre e amigo de nome Cirilo Rodrigues, com destino à sua residência que era na fazenda “Baixa do Arroz”. No lugar denominado Simão, estavam emboscados alguns camaradas, dentre os quais, Augusto Marçal de Carvalho, apelidado “Dudu Fiança”, o facínora Manoel Arruda de Barros, conhecido “oficial de caveira” deste sertão, com o objetivo de surrarem Maneca Grosso, ou matá-lo se reagisse à agressão.
Inopinadamente investiram sobre os dois, sendo Cirilo assassinado á bala, no local, e o velho poeta bastante surrado, não sendo morto por interferência de Augusto Marçal de Carvalho, conhecido por “Dudu Fiança”, vaqueiro do Cel. João Santos.
Maneca Grosso era diabético e os ferimentos de que fora vítima, causaram-lhe a morte no dia 11 de fevereiro de 1919.

O acontecimento foi uma das causas da luta armada entre os dois partidos políticos: “Peduros” e “Meletes”, sendo os Peduros chefiados por Ascendino dos Santos Melo, parente de Maneca Grosso, que foi seu professor.
Maneca Grosso foi sepultado no cemitério particular da Fazenda Baixado Arroz, onde viveu, trabalhou, foi professor, criou seus filhos com dedicação, dando-lhes o exemplo do trabalho honrado.

O saudoso Maneca Grosso deixou inéditos em um manuscrito, muitos poemas, primores de poesia, que juntos aos publicados e com seus artigos, dariam um excelente livro e seria grande homenagem a sua memória se fossem publicados.
Em janeiro de 1919, poucos dias antes de sua morte em consequência do acontecimento já mencionado (uma surra que levara em resposta a um artigo que escrevera) já no leito, escreveu o poema sentimental sendo a última de suas poesias, intitulado:



“Canto do Cisne” – Adeus!

“Adeus, Conquista, meu torrão querido,
Berço florido, que deixei ali.
Onde, inocente, sob um véu de enganos,
Há cinquenta anos, infeliz nasci...
                                Meus umbuzeiros, meus cercados campos,
                                Meus pirilampos lá dos prados meus,
                                Meu céu, meu lar, divinais, formosos,
                                Ouvi saudosos, meu dolente Adeus!...
Velhos amigos que deixei distantes,
Cujos semblantes, ao sair gravei
No pensamento, eu vos peço – abraços.
De abertos braços, se podeis... Não sei!...
                                Meu horizonte, meu nadir, meus astros,
                                Onde meus rastros deixei no chão,
                                Onde vivendo meus seiscentos meses,
                                Tive revezes... Infeliz... Paixão!...
Meu sangue ingrato me fugiu das veias,
E coisas feias emprestaram a mim...
Eu fui malvado, ou feroz na lida?
Pro sangue em vida me deixar assim?
                                Por ti, Conquista, se sofri... Não nego!
                             Nem ti renego, como sabe Deus!
                             És inocente, não me deste a morte...
                             Mas fora a sorte... Fora o Fado... Adeus!...”





Bancos da época em que M. Grosso ensinava. 




MORRO DA TROMBA. PRESERVAR É PRECISO!


DUAS POESIAS ANTOLÓGICAS


CANTO DO CISNE. ADEUS!




MAIS DA HISTÓRIA






9 comentários:

  1. Muito bom ter um contato real com a árvore genealógica do meu filho .pois ele é um descendente de Maneca Grosso .

    ResponderExcluir
  2. Muito bom ter um contato real com a árvore genealógica do meu filho .pois ele é um descendente de Maneca Grosso .

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Grato pelo comentário. Se vê me disser o nome do seu filho e dos pais e avós dele, eu posso incluir vocês na árvore genealógica da família.

      Excluir
  3. Meu bisavô é fera demais

    ResponderExcluir
  4. Também gostaria de fazer a minha árvore genealógica , preservar a história . Ótima matéria !

    ResponderExcluir
  5. Que linda história do meu bisavô🙏 merece um belo livro

    ResponderExcluir
  6. Muito linda e interessante a história de Maneca, parabenizo a autora do desse belo projeto

    ResponderExcluir

Comente, sugira e ajude com novos com novos materiais para publicação dentro do tema.