Sempre fui um aficionado por rádio. Para mim, dos meios de comunicação, o rádio é o mais acessível e mágico por mexer com nossa imaginação. O radinho a pilha em casa era muito comum. À noite, ao deitar, eu gostava de escutar o rádio AM para ouvir a transmissão de jogos de futebol com os lendários Jorge Khoury e Waldir Amaral ou ouvir resenhas esportivas e programas de humor da época. Sem televisão na zona rural, o rádio dominava com seus locutores fantásticos que deixaram saudades. Muitas vezes dormia com ele ligado e acordava de madrugada com o chiado.
As rádios do Rio de Janeiro chegavam em Vitória da
Conquista, principalmente na nona rural, como se fosse local. O sinal era muito
bom e como não havia muita concorrência facilitava ouvir. Daí se justificar a
grande torcida dos times do Rio de Janeiro na região.
Em Conquista havia muitos programas bons, eu não alcancei J.
Menezes com seus famosos programas de auditório. Sempre que podia eu gostava de
ir para a garagem de casa escutar no rádio do carro: “De tudo para Todos”, com
Samuel Oliveira no horário das 11horas, cuja abertura era “Petit Fleur” tocada pela orquestra Ray Conniff. Mas o que me marcou
mesmo no rádio de Conquista foi o “Programa Saber” com Gilson Moura. A abertura
do programa era com Mozart Symphony 40.
Gilson Moura apresentava o programa das 8 às 9h da manhã.
Tocava músicas clássicas e ele dava uma aula sobre os compositores famosos, suas
obras e outros assuntos importantes e educativos. Nunca me esqueço. O programa
foi um marco no rádio de Conquista.
Muitas pessoas de minha família cultivavam esse hábito. Um
tio meu acordava 5h da manhã e ligava o rádio em programas de música caipira.
Tonico e Tinoco e outras duplas que marcaram na música caipira raiz, eram
certas. Era gostoso de se ouvir. Era mágico, pois ouvíamos somente a voz dos
locutores e dos cantores e ficava a curiosidade para se saber como eles eram.
Outro tio sempre nos dava notícias inéditas sobre política e
economia do Brasil. Um dia, perguntado como ele sabia dessas notícias que
ninguém ouvia no “Repórter Esso” ou na televisão, ele explicou que para se
saber, realmente o que acontecia no Brasil era necessário ouvir rádio de lá de
fora e ele tinha um rádio que permitia escutar a BBC de Londres com transmissão
de notícias em língua portuguesa. Aí ele ficava sabendo de coisas que outras
pessoas que escutavam noticiário no Brasil não sabiam.
Outra coisa interessante é que pelo rádio não há jogo ruim.
Quando estamos vendo um jogo pela televisão vemos jogos feios, ás vezes a bola
passa longe da trave sem emoção nenhuma. Já no rádio é diferente, o locutor dá
uma entonação de emoção tão boa na voz que a mesma bola passa com perigo “tirando
tinta” na trave. Narra o jogo de tal maneira que consegue passar para os
ouvintes que o jogo é bom. Conta-se a folclórica narração de um locutor que, no
calor do jogo, narrou a jogada: “chutou a bola rasteira... por cima da trave”.
Lembro que na copa de 1970, o único jogo que não assisti
pela tv da casa de minha avó, comprada para assistir à copa, foi Brasil e
Romênia. Eu era
menino e como fui com meus pais para a roça, escutamos o jogo pelo rádio a
pilha ouvindo a Globo do Rio.
Antigamente havia aparelhos de três faixas que sintonizavam
(AM) Amplitude Modulada para se ouvir à noite. Durante o dia as Ondas Tropicais
(OT) para longas distâncias e Ondas Curtas (OC), estas duas últimas já não
operam mais. Eram faixas que nos permitia ouvir rádio durante o dia e era
possível se ouvir até rádios do estrangeiro, como a BBC e outras. Hoje, com o
advento da internet a transmissão em AM está sendo desativada, poucas ainda
transmitem, seguindo para o mesmo fim da OT e OC.
Por falar em BBC dois fatos interessantes. O primeiro,
relata sobre o gaúcho e filho de ingleses Francis Hallawell, que vivia no Rio
de Janeiro e decidiu morar na Grã-Bretanha e nem imaginava que logo seria
conhecido por “Chico da BBC” por se tornar o único correspondente de guerra a
gravar as vozes dos pracinhas brasileiros de forma inusitada, pela falta de
recursos técnicos da época. Pois nos anos 40 nem se sonhava com satélites,
transistores e chips. Era na criatividade mesmo.
Hallawell aceitou o desafio de cobrir a campanha dos
soldados brasileiros na Itália. Todo o planejamento em torno dessa missão era
"secreto” e perigoso.
Em julho de 1944, Hallawell se juntou ao grupo de cerca dez
correspondentes brasileiros que passaram a acompanhar a FEB, com quem manteve
uma relação profissional próxima.
Em depoimento prestado à BBC Brasil em 1995, ele conta que
além de gravar reportagens em áudio sobre os pracinhas, tinha de enviar pelo
menos uma crônica por dia - que era enviada pelo telex do Exército americano e
lida por um locutor durante a transmissão de Londres para o Brasil.
"Eu tinha, por semana, cinco ou seis dos melhores
jornalistas me dando todos eles alguma coisa todos os dias... Entre eles
estavam Rubem Braga (Diário Carioca), Joel Silveira (Diários Associados), e
Egydio Squeff (O Globo). Em pouco tempo, eu tinha um estoque em Londres de uns
dez, quinze programas para eles irem colocando no ar. Nós fazíamos crônicas e,
se acontecesse alguma coisa especial, a gente passava por telegrama."
“A crônica, o texto em primeira pessoa descrevendo
acontecimentos do cotidiano de forma mais leve, uma mescla entre o texto
noticioso e a literatura, acabou dando o tom das informações escritas que
vinham do front, em boa parte por causa da forte censura a que os correspondentes
eram submetidos do Exército e do Departamento de Imprensa e Propaganda, seja na
Itália ou no Brasil - sobre o material enviado pelos correspondentes. As
referências a derrotas ou aos horrores da guerra são raras nas transmissões”.
Ele teve, também, ajuda de um engenheiro de som inglês
Douglas Farley, da BBC, que operava a unidade móvel de gravação adaptada em uma
ambulância convertida. O aparelho que gravava os sons captados por um microfone
diretamente em um disco especial de alumínio coberto por um laque especial de
acetato, projetado para os correspondentes da frente.
Ele conta: "Constituía-se de uma caixa, pesando uns
quinze quilos, muito parecida com aquelas vitrolas portáteis que nos anos 1920
e 1930 a gente levava para piqueniques. Havia uma manivela para dar corda e uma
bateria para o microfone e o gravador. A gravação era feita num disco virgem e
não era possível ouvir o que a gente tinha gravado mais do que duas vezes, para
não inutilizar o disco. Quando gravados, esses discos eram transportados
"de jipe" para Florença, uma viagem de mais ou menos três horas, e de
lá, levados pelo malote do Exército Americano para Roma, ao sul, cidade na qual
eram irradiados para Londres, onde eram novamente gravados e preparados para
entrar nas transmissões para o Brasil.
Na época, essa era a única forma de gravar e transmitir
áudio da frente italiana para o Brasil. Por isso, as gravações colhidas por
Hallawell tem um valor tão especial para a história dos pracinhas e aqui vai
uma saudação especial aos pracinhas de Vitória da Conquista, tanto para os que
foram para a Itália, quanto aos que foram até ao Rio de Janeiro e não
embarcaram por conta do fim da guerra.
Como brasileiro não perde tempo nem gingado, graças ao Chico
da BBC ficaram gravados alguns sambas compostos e cantados pelos pracinhas no
acampamento italiano, narrando feitos e acontecimentos das batalhas e da
vitória de Monte Castelo, além de dar informações lá do front para as mulheres,
noivas e pais ansiosos por notícias e pelo fim do confronto. Com o fim da
guerra o “Chico da BBC” retornou ao Brasil.
Pelo que contam, ele era bom comunicador, mesmo com um pouco
de sotaque inglês, a ponto de prender a atenção de dois antepassados, e aqui
vai o segundo fato, contado por meu parente, Paulo Marcio, que, durante a
segunda guerra mundial, os dois antepassados nossos ouviam a rádio BBC que,
graças à coragem desse brasileiro, o “Chico da BBC”, transmitia boletins sobre
as batalhas e nem sabia que havia, em uma fazenda da região de Vitória da
Conquista, com um imenso e raro aparelho de rádio da época, a audiência de duas
pessoas influentes na nossa sociedade. Esses dois torcedores de lados opostos,
torcendo pelas batalhas que acompanhavam olhando para um mapa mundi fixado na
parede e, com tachinhas, marcavam os locais onde ocorriam as batalhas.
Eles ouviam a transmissão e comentavam, de acordo com seus
entendimentos, tirando sarro um do outro quando. É muito normal a interferência
eletromagnética causando ruídos que interferem na transmissão radiofônica. Quando
acontecia um ruído na transmissão um deles fazia o comentário, apontando para o
mapa:
- Você ouviu? Nosso avião acaba de lançar uma bomba sobre
seu exército.
O outro retrucava:
- Isso não parece uma bomba. O barulho parece mais um tiro
de canhão que lançamos sobre vocês.
- Se não é uma bomba, então é nossa “lurdinha” disparando
contra seu exército.
“Lurdinha” era o apelido dado pelos pracinhas a uma
metralhadora alemã. E as interpretações povoavam as imaginações dos dois
especialistas em guerra com comentários aprofundados sobre os combates e
estratégias de guerra, apenas ouvindo o rádio.
E Chico da BBC disse: “Tive a oportunidade de sentir de
perto o quanto valia esse contato entre homens de frente e famílias na
retaguarda, uma verdadeira ponte falada de anseios, expectativas e emoções...
Iniciava-se ali, através de palavras, gestos e expansões, certa maneira nova de
amar o Brasil."
É verdade, precisamos encontrar, sempre, novas maneiras de
ter mais amor pelo Brasil dos verdadeiros brasileiros de calos nas mãos que
arriscam suas vidas para a construção do país que outros, de luvas, querem destruir
por poder, apenas pelo poder da caneta.
O Soldado Natalino Cândido da Silva, compôs a marchinha “A
Lurdinha”
“Você já viu iaiá...
Você já viu iaiá no front
a Lurdinha cantar
A turma tem que ficar
atenta para escutar,
É a força metralha vamos atacar.
A voz do comando é firme e
segura
A turma avança, ninguém
tem paúra
Pois eles corre corre,
deixa até a roupa...
Pro brasileiro, Alemão é
sopa”.
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